25.4.21

Antes de começar a estrada que se perdia em suspensa poeira de sol, apenas o jardim nada mais que contemplável, compreensível e simétrico.

Mês de abril, vinte e cinco;
Seria teu aniversário,
Porém, só eu envelheço,
E a saudade é o preço,
O que restou do inventário:
A vida segue sem afinco,
Barco à deriva sem um cais.

Ante um frio sol de inverno
O intervalo é eterno:
Antes havia um sentido
No que pudesse ser vivido
E eu podia procurar
Na mansidão do teu olhar
Todos os pontos cardeais.

Mas bem sabemos a mecânica
Imperturbável do existir:
Enquanto escrevo, tu repousas,
Sob o cinzento destas lousas;
A finitude a te vestir
De uma ausência oceânica
No teu jardim do nunca mais.

4.12.20

En duva satt på en gren och funderade på tillvaron.

Eis que o mundo deu a volta
Toda ao redor da estrela morta;
Inevitável reencontro:
Porém, eu nunca estou pronto
Pra relembrar, tal como faço
A cada instante, em cada espaço
Da dor que encharca, alta maré
Tudo o que foi e o que ‘inda é.

Eu corro sempre atrás do tempo
E ele corre contra mim;
Mal sobra tempo pra sentir
Falta do tempo que não tenho.
Pra você não existe tempo
E, entre nós, tempo sem fim;
Respiro fundo, é o devir:
A finitude e seu desenho.

Vou tropeçando nas memórias,
Cambaleante e obtuso;
Com os meus erros eu aprendo
Que fracassar é sempre péssimo,
Que permaneço no acréscimo
De um existir sempre horrendo;
Vejo que estou em outro fuso
E que esperanças são simplórias.

Jamais é bom envelhecer
E a dor não pode me mostrar
Nada – então sigo calado
A tentativa inútil, vã
De impedir o amanhã
Pois é o mesmo nosso fado,
Inexorável feito o mar
E inequívoco do Ser.

Pois tudo cabe no intervalo
Entre o abismo e o chão:
Você repousa, eu tropeço
Nos próprios passos, já sem brio;
Penso em você, ‘inda me calo
Luto?, você diria ‘não’
Chorar seria um excesso
E novamente silencio.

Em temporais de fim de tarde,
No peito, a ausência ‘inda arde;
Às vezes, sonho que te chamo
Em aves, flores, no oceano.
Mais de trezentas despedidas:
Já em migalhas fenecidas,
Teu corpo é leve na terra,
E meu pesar jamais se encerra.

26.11.20

If his home was on fire, what one thing would he save? The fire, he said, only the fire.

Mais uma vez, tudo às avessas:
No Sol, teu mar então mergulha
– Estrela esta que está morta,
Nós precisamos aceitar;
E, após um fútil reclamar,
Você, então, agora exorta
A palidez de uma fagulha
Em nuvens cinza e espessas.

Olho ao redor, dentro de mim:
O que restou, aqui, enfim?,
Um oceano ressecado;
E já nem sei mais de que lado
Ficava o canto da baía,
De tão sutil melancolia,
Em que batiam os meus sonhos
– E hoje? só vazios medonhos.

Quem ainda se presta
A vadear tal malquerer?
Há muito se foram os deuses,
Tal qual a minha inspiração;
Fico esquecido numa fresta
Que esqueceram de varrer
Com o Destino e seus reveses
Trocando o ‘talvez’ pelo ‘não’.

Não há desejo, não há medo
– Puro silêncio – estou vazio
Cansaço do que não vivi;
Até sonhei que desistia,
Mas surge outro velho dia
E eu ainda estou aqui,
Num grandessíssemo estio:
Quis me entregar – ‘inda é cedo.

25.4.20

Also heißt des Willens Zähneknirschen und einsamste Trübsal.


Dias incertos feito bruma,
E este é um dos mais tristes,
Se destacando dos demais:
Os teus setenta e quatro anos,
Hoje apenas hipotéticos;
Pois, entre outros esqueléticos,
Envolto em trajes espartanos,
No tempo todo e no jamais,
És para sempre e não existes
– Infinidade e coisa alguma.

Já nos escapam os motivos,          
E, vez em quando, estou à beira
De coisa alguma pela frente
Da existência angustiante,
Envolta em medo e doença;
Seria bom ter uma crença
De um reencontro adiante:
Mas sei que hoje tens, somente,
Lábios de lodo e poeira
– Em forma e lar definitivos.

Neste cenário, um grande nada,
Todas as vidas em suspenso,
E as angústias tão despertas,
Fez o Destino, num esgar,
Além de toda a infinidade,
E da ridícula saudade,
Um quase-mundo a separar
Nas avenidas, vãs, desertas,
Em que ressoa, em tom imenso
– Somente a tua voz, calada.

A vida é nau sem direção,
O mundo piorou sem ti
E hoje é pouco mais que nada:
Viver é fechar uma porta,
Pois todo luto é solitário
E cabe a mim este calvário,
De carregar esta cruz torta
Sobre esta terra desolada;
Enfim, ainda estou aqui
– Por mera falta de opção.

20.11.19

On meurt toujours trop tôt – ou, trop tard. Et cependant la vie est là, terminée: le trait est tiré, il faut faire la somme. Tu n'es rien d'autre que ta vie.


Em quatro décadas, já findas,
Na confusão, na afasia,
A finitude, companhia,
Do inesperado, imprevisível
[Vida esgarçada, tempo imóvel],
Na confusão de qualquer hora
Resta a memória de outrora:
Não sei se boa ou ruim.

Coisas horríveis, coisas lindas,
Se sucedendo todo o tempo
Talvez nem sempre numa trilha
Por muitas vezes circulando
Numa espiral de horror nefando,
Às vezes uma ingrata filha,
Premeditando, num intento,
A triturar o que há de mim.

Que tudo mais me seja nada:
A náusea, a queda, o Inferno,
Eu visto tudo feito um terno
Que não mandaram ajeitar;
Quantos milênios vão passar
Na eternidade, tão sem tempo,
E sumirão, em qualquer vento
– Perdão aos deuses da má sorte. 

Vou, conformado, à madrugada,
Sem nem pensar numa saída
– Aqui, ali, ou outro lado;
E que o legado, inexistente,
Por mais que eu queira, mais que tente,
Está escrito no me fado:
Vou de mãos dadas com a vida,
Mas acenando para a morte.

26.8.19

Que é das mãos esperando o amanhecer definitivo e caídas também na torrente do tempo?


É terça, quarta, quinta-feira?,
Nada difere nos caminhos
Do velho fado, inexorável,
E que nos deixa sempre à beira
Dos pensamentos mais mesquinhos
– Enquanto segue o inenarrável.

Ao pé desse cruzeiro torto,
De flores murchas nas coroas,
Repousa outro parente morto;
Sob silêncio em vez de loas,
E na mortiça palidez,
Somam-se todos, outra vez.

Veio parente, veio amigo,
Pra ver o último abrigo,
Do que restou daquele moço:
Cada parente triste, grosso,
Que apanhou o ataúde
Para o repouso escuro e rude.

Não houve rezas, cantochão:
Só burburinho dos presentes,
A lamentar tanta má sorte,
Nem pranto sobre o caixão;
E eu pensando, entrementes,
– O quão demora qualquer morte.

E vão descendo a ribanceira
Entre os pequenos monumentos
De cada amor, há muito, findo;
As sepulturas quase à beira
De barracões, assentamentos,
E as indústrias, poluindo.

Há girassóis?, mal nasce grama!,
Só cão, passante, funcionário;
E as moléculas de lama
Seguem o mesmo itinerário,
Inúteis sinos da agonia,
– Retratos desta elegia.

O ataúde é soterrado,
E cada qual para seu lado:
O descansar do corpo puro,
Que servirá, então, de muro,
Entre este lado e o de lá
– Ante um deus que já não há.

Já chega a hora da partida:
Entre garoa, frio e vento,
E a tarde longe de se por,
Vai cada qual com sua vida;
Imóvel mesmo, só o tempo
– Ignorando qualquer dor.

7.4.19

La peur, c'était bon avant, quand nous gardions de l'espoir.


I

Às vezes eu me sinto tão cansado;
Acordar é deixar tudo de lado:
Pensar no tanto nada a fazer,
Tanto vazio que ocupa o ser.

Então eu me levanto, assim, calado,
E me pego tentando escrever,
Mesmo que me pareça um desprazer;
Tanto faz aceitar ou não o fado.

No meio do existir, tão deletério,
A chave é não haver nenhum mistério;
Segredo? todos saberem, não é nada.

Viver como apertasse o gatilho:
Seria autofagia, autoexílio?
– Talvez, só a nulidade da empreitada.


II

Escrever para nada, para tudo,
Para si ou alguém se interessar,
Dá no mesmo, é somente um escudo
Contra o fracasso, pálido esgar.

E hoje eu já me vejo quase mudo,
De tanto que cansou o caminhar;
Buscando para o verso o seu par
Ou pensando em métricas, sisudo.

Desistir?, pois não há outra maneira;
Vai escrever com dor, até com febre?,
Escrever, como fosse mais que ser?

Melhor se entregar ao nada haver,
Só esperar que tudo mais se quebre
– E logo tudo mais será poeira.


III


Ao sol já aziago, antemanhã,
Aquela chama púrpura, sem vida,
Já traz, envelhecida e malsã,
Outro dia, outra página já lida.

A morte inaugurada, comovida
 Houvesse mesmo sorte ou saída;
Todo dia, num rútilo elã,
Tenta fingir que não é a vilã.

O caminho, a chegada, nada importa;
A resposta, e eu sei que é sincera
É só ver quanto nada me espera.

E, nesse agregado, o que conforta:
Não saber o que há atrás da porta
– O meu ser que já houve, ou o que não há?

13.2.19

Ter sido. E não poder esquecer. Ter sido. E não mais lembrar. Ser. E perder-se.


I

A vida anda ¿meio? perdida, apagada, rabiscada
Num papel arrancado de caderno
Velho
Amassado, amarelado
Deixado de lado
E a vida?, suja e deslavada
Estirada num varal
Qualquer
E as almas, camada por camada
Quarando, amarelando
Sem freio, esteio
           Sem meio
Só um fim que não tem fim
E ninguém sabe como tudo
/E nada/
Começou.

Na vala incomum
Remida, perdida, esquecida
Desperdiçada
Está lá, olha lá!, a vida
Desanimada, é verdade
De um culto ultrajado, ultrapassado
Qualquer pecado que seja homem ou mulher
– E que surja um novo cão?, expiatório
Crucificado*,
[*O mártir e a chaga do lado]
Para remir qualquer pecado
         permitir
        ¿demitir?
Sob o sol túrgido da tarde
– É sempre tarde
Que já se vai, se foi, se é que foi.

E as moscas, sempre as moscas
Revoando feito loucas, feito um halo
D e s a n g é l i c o
De inútil* e putrefata ¿sanidade?, santidade
[*Paisagem arruinada]
Sob um céu e um sol que já não há
E sob a égide de ______ que não fui, não sou, quem quer que seja
Em quanto tempo, mais dias do que há em mil anos
Desamparo, abandono
No corpo, nos vazios tristes
Nesse caminho úmido, nítido, rútilo para onde?
R.: Pra morte
[Viver, angústia turva]
Do divino espírito desgraçado
– Desencorajado.


II

Pois olha, veja bem
Não conta pra ninguém
Tem uma coisa
Que me suja
Que não sai
[‘Vezes até me atrai]
E eu não conto
Que eu mal tive
Que eu não confesso
Que mal expresso
Deus me livre, alguém saber
Do maldizer
Do malmequer
E com a voz calada
– Tempo livre, não sei –
me levanto
Quando [não] chove
Já me pego pensando
No tanto, nem sei quanto
A [não] fazer
E não sei o que faço
Com o espaço
Vazio.

Florestas de pedra
Cidades de pó
Lágrimas de sal
Vielas, cidadelas
Poeira e mágoa
Em manhãs garoentas
Diante [¿distante?] de tudo
Que se apresenta
E não me representa
Tenho a impressão de que
Sou
Coadjuvante, figurante
Na vida
Palavra que não vale
_Então se cale
_Espera o cão ladrar
Sob o sol enevoado
De discursos e disputas
[Seja do que for tua fome]
– E mortificação.


III

Sabe o anjo que não cai?
Desiste da espera
Enrola essa bandeira
Abraça o caos e vai
Do mar você não sai
Me dá tua mão e vem
Me diz como é que faz
Pra disfarçar, continuar, adormecer, respirar e caminhar
Deitar ao chão tudo
Que está nas mãos
No azul que não há dos meus olhos de cão.

21.1.19

Ahoga nuestras almas, exentas de deseos, en un mar de silencio, de quietud y de olvido.


Garoa fria sobre a tarde baça:
O tempo vai fazendo sua curva
Inexorável, em silêncio, austera,
Sobre a existência, vã, na descendente,
Num grande afã de mágoa e esquecimento.

Mas, de repente, a brisa morna, lassa,
Sopra no Lete, rio de água turva,
E uma angústia, de eterna espera,
Já se derrama, em turgidez, tão paciente
Sobre o Universo, merecido tormento.

Realidade: escolha a sua, rápido,
Antes que perca a tua chance, e então
O teu caminho, já nas mãos do fado,
Vá desmanchar numa esquina rude
Do estreito paço de horror, loucura.

Pois, quando bate a maré obscura, 
Deságua na tua alma, açude,
Uma agonia no ser, já calado,
Feito um amargo e reticente ‘não’
E o horizonte se entristece, pálido.

7.1.19

Mas puseram-te numa praia de onde os barcos saíam para perderem-se.


Ciprestes ao vento:
Por vielas de pedra,
Entre anjos trincados,
Cruzeiros cinzentos
E céu empoeirado,
Te imagino deitada
Leve, carregada,
No cortejo, em silêncio
Que só é quebrado
Por pranto e soluço,
Engasgado ou rasgado,
Talvez pelos ruídos
Vindos da avenida
Pelos muros baixos
Da tua morada
Agora definitiva;
Quase vejo o chão
Do simplório jazigo
Onde repousarás
Para a despedida,
Descanso que não vi,
Onde tu já não hás;
Com orvalho nas flores
Que ora te ornam,                   
Poeiras nos lábios,
Pra sempre calados,
E estrelas mortas
Nos olhos vazios.

23.12.18

May the tributes of faith be rendered to faith.


Já nem sei mais se vale a pena
Deter-se aqui ou caminhar,
Pois já nem sei o meu lugar;
Veja a chuva: antes serena,
Tornou-se uma tempestade
– O infortúnio da vontade.

E de fracasso em fracasso
Eu vou fazendo meu sucesso:
Ter fé em si, conceito lasso,
De sonhar por atacado,
Não receber qualquer recado,
Fica em qualquer impresso.

O escrever, tão estimado,
No fim, não faz nem diferença,
Ninguém se importa, na verdade;
Das vaidades, a vaidade
De saber que reingresso
Ao panteão do descompasso.

Irrelevante, quase amargo,
‘Inda fingindo que sou forte,
Esqueço as miseráveis linhas;
E a indiferença passa ao largo
Do sopro tépido da morte
– As frustrações que são só minhas.

22.12.18

Instintivamente eu me agarro ao abismo.

 
Eis que se desmancha o tempo
Em silêncio, aflição:
Decepção, rancor, loucura;
É o limite, a extremidade,
Pranto que não comove
– Um navegador sem nau.

Pois, feito peixe no areal
[Quiçá, chuva que não chove],
Os grãos da vida, saudade,
Quanto mais você procura,
Vê-se: permanecerão
Sempre em outro momento.

Perto e longe, afinal,
Se tira a prova dos nove:
Dá no mesmo – a eternidade
É sombria, sempre escura;
Quantos sonhos restarão?,
É um tanto-faz, desalento.

Vem a noite, um lamento:
Diga sim, mas pense não;
Amanhece: desventura
De existir, pois a verdade,
Che ancora non si muove,
Sem início, é o final.

28.7.18

E, no cansaço, deitaremos imensos, na planície vazia de memórias.


Intermitências: sem fim,
Começo, ou meio,
Por veredas insuspeitas
De vingança e remissão,
Na noite densa, absurda,
Em pálido abandono,
Desmancha sobre o orbe
A decadência sutil
Das despedidas de julho
[Frio, extenso, escuro, intenso],
Asas de anjos infernais,
Avesso da tua presença:
Sob o céu de nuvens sujas
Contra o chão de passos falhos,
Em silêncio, em devoção,
Almas quaram no varal,
Ao pó de um velho universo
– Rútilas flores de abismo.

9.7.18

Hoy te digo que creo en el pasado como punto de llegada.


Eu já não sei o que fazer com o tempo,
Que ora parece pouco, e ora tanto;
E me confundo se já tive, ou tenho,
De tanto instante solto, desmedido,
Algum motivo, talvez impreciso,
Um compromisso, até desnecessário,
Que me liberte do que eu nem sei.

Instantes passam e eu, sempre atento,
Como esperasse ouvir um rude canto,
Que me fizesse até doer o cenho,
Tenho um desejo, quase proibido,
O qual oculto, pra manter o siso:
É me perder, em tal itinerário,
Que me abandone aonde eu nem sei.

Então, quase sem jeito, eu invento
Um interstício, feito um acalanto,
Em que eu guarde tudo que mantenho
Do pouco tempo, que, quase perdido,
Eu não vivi, e agora eternizo,
No que não fiz, um rito funerário,
Tudo que resta, o quê?, eu já nem sei.

24.6.18

Wenn Sie meine Hand auslasse, ist es, als wären wir tausend Meilen voneinander entfernt.


Uma tarde de junho,
Feito um lance de dados:
Amizade em punho,
Dez anos, a vida;
Um instante, calados,
Como se fosse acaso,
Dado o tamanho atraso
- Mas existe saída?

Foram passando as horas
Por uma tão sutil fresta
E olha!, já anoitecia;
Restava a profecia,
Feito sarças de fogo,
Pra deixar tudo em jogo,
Aparar cada aresta
E desfazer a demora.

Então um beijo, um abraço
O existir, num abismo,
E não havia espaço
Para mim sem você;
E num tremor feito sismo,
O tempo se partiu,
Tão vagaroso, baldio

-
E eu vivi em você.