23.12.18

May the tributes of faith be rendered to faith.


Já nem sei mais se vale a pena
Deter-se aqui ou caminhar,
Pois já nem sei o meu lugar;
Veja a chuva: antes serena,
Tornou-se uma tempestade
– O infortúnio da vontade.

E de fracasso em fracasso
Eu vou fazendo meu sucesso:
Ter fé em si, conceito lasso,
De sonhar por atacado,
Não receber qualquer recado,
Fica em qualquer impresso.

O escrever, tão estimado,
No fim, não faz nem diferença,
Ninguém se importa, na verdade;
Das vaidades, a vaidade
De saber que reingresso
Ao panteão do descompasso.

Irrelevante, quase amargo,
‘Inda fingindo que sou forte,
Esqueço as miseráveis linhas;
E a indiferença passa ao largo
Do sopro tépido da morte
– As frustrações que são só minhas.

22.12.18

Instintivamente eu me agarro ao abismo.

 
Eis que se desmancha o tempo
Em silêncio, aflição:
Decepção, rancor, loucura;
É o limite, a extremidade,
Pranto que não comove
– Um navegador sem nau.

Pois, feito peixe no areal
[Quiçá, chuva que não chove],
Os grãos da vida, saudade,
Quanto mais você procura,
Vê-se: permanecerão
Sempre em outro momento.

Perto e longe, afinal,
Se tira a prova dos nove:
Dá no mesmo – a eternidade
É sombria, sempre escura;
Quantos sonhos restarão?,
É um tanto-faz, desalento.

Vem a noite, um lamento:
Diga sim, mas pense não;
Amanhece: desventura
De existir, pois a verdade,
Che ancora non si muove,
Sem início, é o final.

28.7.18

E, no cansaço, deitaremos imensos, na planície vazia de memórias.


Intermitências: sem fim,
Começo, ou meio,
Por veredas insuspeitas
De vingança e remissão,
Na noite densa, absurda,
Em pálido abandono,
Desmancha sobre o orbe
A decadência sutil
Das despedidas de julho
[Frio, extenso, escuro, intenso],
Asas de anjos infernais,
Avesso da tua presença:
Sob o céu de nuvens sujas
Contra o chão de passos falhos,
Em silêncio, em devoção,
Almas quaram no varal,
Ao pó de um velho universo
– Rútilas flores de abismo.

9.7.18

Hoy te digo que creo en el pasado como punto de llegada.


Eu já não sei o que fazer com o tempo,
Que ora parece pouco, e ora tanto;
E me confundo se já tive, ou tenho,
De tanto instante solto, desmedido,
Algum motivo, talvez impreciso,
Um compromisso, até desnecessário,
Que me liberte do que eu nem sei.

Instantes passam e eu, sempre atento,
Como esperasse ouvir um rude canto,
Que me fizesse até doer o cenho,
Tenho um desejo, quase proibido,
O qual oculto, pra manter o siso:
É me perder, em tal itinerário,
Que me abandone aonde eu nem sei.

Então, quase sem jeito, eu invento
Um interstício, feito um acalanto,
Em que eu guarde tudo que mantenho
Do pouco tempo, que, quase perdido,
Eu não vivi, e agora eternizo,
No que não fiz, um rito funerário,
Tudo que resta, o quê?, eu já nem sei.

24.6.18

Wenn Sie meine Hand auslasse, ist es, als wären wir tausend Meilen voneinander entfernt.


Uma tarde de junho,
Feito um lance de dados:
Amizade em punho,
Dez anos, a vida;
Um instante, calados,
Como se fosse acaso,
Dado o tamanho atraso
- Mas existe saída?

Foram passando as horas
Por uma tão sutil fresta
E olha!, já anoitecia;
Restava a profecia,
Feito sarças de fogo,
Pra deixar tudo em jogo,
Aparar cada aresta
E desfazer a demora.

Então um beijo, um abraço
O existir, num abismo,
E não havia espaço
Para mim sem você;
E num tremor feito sismo,
O tempo se partiu,
Tão vagaroso, baldio

-
E eu vivi em você.

8.6.18

You talk to me as if from a distance and I reply with impressions chosen from another time.


De um deserto para o outro,
Que sempre está a me alcançar,
Eu vou correndo, vou fugindo,
Até, enfim, eu perceber,
Que o deserto ainda está lá;
Que o deserto de você
É o deserto que há em mim.

Queima de sol, queima de frio;
O céu e o chão são minha dor,
De tudo e nada, imensidão,
Inescapável, é o que há
De turvas vistas, repetição
– E o deserto, o grande horror.

De tanto pó e tanto sol,
Imensa areia a rodear,
Que me seguia aonde eu fosse,
Ao final do dia, eu vi,
Tão absorto e sem ar,
Que o deserto era eu.

16.2.18

Calma, calma, também não é tudo assim escuridão e morte.


Tem dias em que olho pro mundo
E penso ‘não está tudo meio incompleto?’
Às vezes, porém, me parece mesmo
Que faz é bom tempo que já acabou.

Caio do alto do azulado infinito,
E meus pedaços, vou deixando por aí:
As mãos, em cada texto que não fiz,
Feito os rastros do que havia – bem e mal;
Quem já não sou, sei lá se fui,
Vai pro fundo do mar esverdeado.

Hoje não sei bem o que escrever:
Nem todo fevereiro tem dias de Carnaval,
E há tantos cristos que fogem da cruz;
Sem mentir qualquer virtude,
Nem trair algum receio, eu sei
- Cada um é a poeira de outro caminho.

Às vezes, é verdade, tenho pressa
Sem nem saber aonde quero, enfim, chegar;
Em outras horas, estou tranquilo, a esperar
Pelas canções, por palavras – você.

2.2.18

E os teus olhos não buscam mais lugares.


É quando já não há mais tempo
Que todos vêm, ao telefone, me avisar:
Deixaste o corpo, a carne, a vida,
E os sombrios insucessos para trás.

Às tantas dificuldades, enfim,
Deste as costas; tanta aposta,
Tanta reza, que deu somente em nada,
Até que, então, resolveste descansar.

Aqui, correm os ponteiros do relógio,
Aí não bate mais a vida em teu peito;
Resta a mágoa do destino, atrás dos olhos,
E a terra, sobre os ossos, derramada.

Cessa o tempo, doloroso, para ti,
Fica a vida, incompleta, para nós;
Já não há mais girassóis para essa luz,
E todas as tuas flores são de adeus.

No lamaçal do enevoado amanhecer,
Os cães ladram e ladeiam pelas lajes,
Ao som do lúgubre e amargo cantochão
Para o madeiro descido ao abismo.

Ao redor, parentes, amigos, conhecidos;
Entristecidos, cada qual no seu canto,
Ora envoltos em pranto, ora apenas contritos,
Ao sabor do impermanente e finito.

Não quis te ver caído, inexistindo
No acre fado sob o sol e o céu;
Guardo lembrança de quando caminhavas
Pela vida que agora te encerra.

Olhos cerrados, no descanso infindável,
E, sob a lápide gelada, o teu nome;
Jazes na relva - escuridão, placidez,
Na distância do silêncio e do nunca.

É tudo que tens agora – a eternidade;
Ficamos aqui com a memória
Envolta em tempo, em poeira, no vazio,
E tu aí, imóvel onde o tempo já não há.