23.12.14

Por isso temos braços longos para os adeuses.


You were seeking strength, justice, splendour!
You were seeking love!
Here is the pit, here is your pit!
Its name is SILENCE.
(Deathspell Omega, Apokatastasis Pantôn)

Envelhecer: um pouco mais
Da mesma coisa que é viver
O tempo todo, sem descanso,
A mesma vida, sem ao menos
Qualquer surpresa ou avanço,
Nem desprazeres tão terrenos;
Só lamentando o amanhecer,
Sempre atracado ao velho cais.

Vai mais um ano: e assim
Se esfarelam os seus sonhos,
Que são os mesmos, não há jeito;
E por jamais concretizados,
Se acumulam no seu peito,
E nas manhãs frias, calados,
Vêm contrafeitos e medonhos
Pedir que tudo chegue ao fim.

Viver é isso: desistir,
Tentar de novo, tanto faz;
Seja no porto ou estuário,
Submergindo ou à deriva,
É sempre o mesmo itinerário,
É vã qualquer expectativa
Que o novo ano sempre traz
Aos dissabores do porvir.

Então é isso: morre o dia,
Depois da tarde morna e baça,
E com a noite no teu ser,
Aniversário, Ano-Novo,
Tudo um grande anoitecer;
Ficando só ou com o povo,
Não importando o que se faça,
A vida é uma alegoria.

10.9.14

Em mim nada está como é: tudo é um tremendo esforço de ser.

Veja só o céu de noite:
É como olhar para dentro,
Na dor feito a de um açoite,
Para o gélido momento
Em que, ínfimos, sentimos,
Que tudo é gratuito e vão
Nos domínios intestinos
Da absoluta escuridão.

Almas atrás de respostas
(Estrelas opacas, mortas);
Toda a gente insegura,
Mergulhada na amargura
Dessa angústia que sempre
Vai revirando no ventre
E finda sem resolver
O que é ser e não ser.

A vida é um espaço,
Desolação de regaço,
Perdido em tal distância
(Sempre incompreendida)
De elegante irrelevância
Que a hora da partida
Já se anuncia ao chegar
Ao negrume desse mar.

Na desordem do Universo
Até os astros se afastam
Uns dos outros, solitários,
Vendo o Tempo ir e vir,
Com o rumo tão perverso
Dos fados que resultam
(Ignorando calendários),
Da condição de existir.

Jamais finda o tormento:
Nunca deixa ir embora
Tanto a nós quanto aos astros;
Não importando a distância
Do escapar dessa ânsia,
Permanecerão os rastros
Universo inteiro afora,
Coração inteiro adentro.

7.8.14

Og de følelser som kunne røres er vekk for all tid.


"Porque no hay una poesía festiva, alguien había dicho, pues quizá sólo del tiempo y de lo irreparable puede hablar.
(Ernesto Sabato, Abaddón El Exterminador)

Diz-me: qual é a tua angústia?
Que mal te aflige esse tanto,
Essa tristeza que até dói,
Das mesmas cartas sobre a mesa,
Não importando se os dias
Têm sido como tu querias,
Ou se qualquer expectativa
No fim de tudo desatina
Numa esperança morta-viva,
Nos braços lassos da rotina?
Pois finda o dia e o mês,
E a semana, e outra vez
Vem o cansaço da estreiteza
A cada sonho que ela mói,
E nada enxuga esse pranto.
É tanta dor, um compromisso  
Com os desvãos da sorte má,
Em achar tudo tão cinzento,
Pois dá no mesmo, na verdade,
Te entregares à vaidade
De aproveitar as tardes baças
Pisoteando as folhas secas,
Ou lamentares nas charnecas
Como se fossem meras praças;
Seja no excesso ou na falta,
A existência, vã e infausta,
A cada pálido momento,
E infelizmente já não há
Tempo que leve embora isso.
– Diz-me: qual é a tua angústia?

24.4.14

ἐδάκρυσεν ὁ Ἰησοῦς.

Todos na casa do Senhor
A contemplar este mistério:
É Sexta-Feira da Paixão.
Ah, vejam só o carpinteiro
– Inevitável ironia! –,
Pregado ao áspero madeiro,
Exatamente o que servia
– Destino irônico e malsão –,
Em dias menos deletérios,
A ele mesmo de labor.

Aqui de fora só consigo
Pensar que nossos rudes fados,
Em cada ato ou desatino,
Tal qual o triste nazareno,
Somos nós mesmos que engendramos:
Mesmo num erro bem pequeno,
Em tantos tolos desenganos,
Estão os pregos do Destino
A nos fazer crucificados;
– Somos o nosso inimigo.

Deságua a tarde com esgar;
Rasgado o véu do firmamento
– Nossos esforços malogrados –,
O fim deste rude calvário
Terá no tédio sua gólgota,
Será o nosso itinerário
Até a última derrota;
E pela sorte abandonados,
Nos restará só o lamento:
– Ninguém irá ressuscitar.

21.3.14

O que és não vem à flor das frases e dos dias.

Vai à janela e olha:
As rosas não são mais rosa,
Pereceu todo o jardim;
Se perderam os perfumes
Nas cinzas de um dia cinza.
E você, frio e ranzinza,
Submerso em queixumes,
Deixou que até o jasmim,
Murcho, servisse de glosa
À sua rude escolha.

Sobre o poente baço,
De sol frio a fenecer,
Um gosto de nunca mais
No chão recendendo à morte.
Mas olha, apesar de tudo,
Você, cego, surdo e mudo,
Até que tem muita sorte,
Talvez sorte até demais,
E até pode aprender
Com esse novo fracasso.

Sem cinismo ou ironia:
Você pelo menos pode
Ou cuidar menos de si,
Ou mais do que o rodeia,
Não deixando que as flores
Morram por teus pormenores
Que desaguam à mancheia;
Pois qual flor morta ali
Será adorno da ode
À sua própria agonia?

11.3.14

Eu desejo que o Sol caia no mar do seu peito.

No cenho corre o suor,
Simbolizando a ansiedade,
Aquela angústia, na verdade,
De quem espera o pior.

Pois navegando os oceanos
De tanto asfalto e concreto
Inevitável, quase certo,
Era ceder aos desenganos.

Adiantou se esconder,
Se desculpar por cometer
Os mesmos erros, amiúde,
E tropeçar na finitude?

Claro que não; mortalidade
É o extrato, na verdade.
Impermanência: fim da festa
Das vaidades – nada resta.

Pois não importa o seu desejo
E não importa a sua fé
Você será o que já é:
Desventurado e malfazejo.

Vai pelos campos infernais
Nas tardes quentes de verão
Colher jasmins do nunca mais
E sepultar o coração.

28.2.14

Fate can move mountains. Love would always run away. Everything happens for a reason. For yours, life, there's hope. Hope... I gotta tell you something.


[Sexta-Feira de Cinzas Pré-Carnaval, de 22h22min a 22h40min, ao som de Ulver, Kveldssanger, em divertidos (?) hexassílabos quebrados/heroicos.]

Já pensou que um dia
Você estará morto?
Sim, você vai morrer;
Embora viva como
Jamais fosse fazê-lo,
Virá o anjo do Selo
Dizendo ‘ecce homo
‘Leva embora esse ser’
Direto para o horto
Onde jamais é dia.

E o sol do fim da tarde,
Rancor crepuscular
De arrependimento,
Como se adiantasse
Correr ou descansar
Sussurra com pesar:
‘Morrer finda o impasse
E repousa o momento
No rigor tumular’:
– Agora já é tarde.

E na eterna noite
Cairá sempre o manto
Sobre o teu fracasso:
Sic transit gloria mundi,’
– O anjo a lhe açoitar,
Verme que roerá
Cada sonho que finge
Existir no regaço
Do seu amargo pranto
Onde sempre é noite.

9.1.14

Nothing much to say, I guess: just the same, as all the rest.

Já finda outro expediente
De trabalhar de viver;
Tudo que há é o cansaço,
E o repouso em um regaço,
Até o lasso amanhecer,
É o desejo renitente.

Vi-me erguendo a paciência,
Uma pirâmide de tédio;
E nem faz tanta diferença
Nessa perversa Renascença,
Pois esse travo sem remédio
É a malograda existência.

E das mais tétricas alturas
Vão despencando as madrugadas
Feito esperanças, feito sonhos,
Em pesadelos tão medonhos,
Que choram outras alvoradas
De silêncio e amarguras.