20.11.19
On meurt toujours trop tôt – ou, trop tard. Et cependant la vie est là, terminée: le trait est tiré, il faut faire la somme. Tu n'es rien d'autre que ta vie.
Em quatro décadas, já findas,
Na confusão, na afasia,
A finitude, companhia,
Do inesperado, imprevisível
[Vida esgarçada, tempo imóvel],
Na confusão de qualquer hora
Resta a memória de outrora:
Não sei se boa ou ruim.
Coisas horríveis, coisas lindas,
Se sucedendo todo o tempo
Talvez nem sempre numa trilha
Por muitas vezes circulando
Numa espiral de horror nefando,
Às vezes uma ingrata filha,
Premeditando, num intento,
A triturar o que há de mim.
Que tudo mais me seja nada:
A náusea, a queda, o Inferno,
Eu visto tudo feito um terno
Que não mandaram ajeitar;
Quantos milênios vão passar
Na eternidade, tão sem tempo,
E sumirão, em qualquer vento
– Perdão aos deuses da má sorte.
Vou, conformado, à madrugada,
Sem nem pensar numa saída
– Aqui, ali, ou outro lado;
E que o legado, inexistente,
Por mais que eu queira, mais que tente,
Está escrito no me fado:
Vou de mãos dadas com a vida,
Mas acenando para a morte.
26.8.19
Que é das mãos esperando o amanhecer definitivo e caídas também na torrente do tempo?
É terça, quarta, quinta-feira?,
Nada difere nos caminhos
Do velho fado, inexorável,
E que nos deixa sempre à beira
Dos pensamentos mais mesquinhos
– Enquanto segue o inenarrável.
Ao pé desse cruzeiro torto,
De flores murchas nas coroas,
Repousa outro parente morto;
Sob silêncio em vez de loas,
E na mortiça palidez,
Somam-se todos, outra vez.
Veio parente, veio amigo,
Pra ver o último abrigo,
Do que restou daquele moço:
Cada parente triste, grosso,
Que apanhou o ataúde
Para o repouso escuro e rude.
Não houve rezas, cantochão:
Só burburinho dos presentes,
A lamentar tanta má sorte,
Nem pranto sobre o caixão;
E eu pensando, entrementes,
– O quão demora qualquer morte.
E vão descendo a ribanceira
Entre os pequenos monumentos
De cada amor, há muito, findo;
As sepulturas quase à beira
De barracões, assentamentos,
E as indústrias, poluindo.
Há girassóis?, mal nasce grama!,
Só cão, passante, funcionário;
E as moléculas de lama
Seguem o mesmo itinerário,
Inúteis sinos da agonia,
– Retratos desta elegia.
O ataúde é soterrado,
E cada qual para seu lado:
O descansar do corpo puro,
Que servirá, então, de muro,
Entre este lado e o de lá
– Ante um deus que já não há.
Já chega a hora da partida:
Entre garoa, frio e vento,
E a tarde longe de se por,
Vai cada qual com sua vida;
Imóvel mesmo, só o tempo
– Ignorando qualquer dor.
7.4.19
La peur, c'était bon avant, quand nous gardions de l'espoir.
I
Às vezes eu me sinto tão cansado;
Acordar é deixar tudo de lado:
Pensar no tanto nada a fazer,
Tanto vazio que ocupa o ser.
Então eu me levanto, assim, calado,
E me pego tentando escrever,
Mesmo que me pareça um desprazer;
Tanto faz aceitar ou não o fado.
No meio do existir, tão deletério,
A chave é não haver nenhum mistério;
Segredo? todos saberem, não é nada.
Viver como apertasse o gatilho:
Seria autofagia, autoexílio?
– Talvez, só a nulidade da empreitada.
II
Escrever para nada, para tudo,
Para si ou alguém se interessar,
Dá no mesmo, é somente um escudo
Contra o fracasso, pálido esgar.
E hoje eu já me vejo quase mudo,
De tanto que cansou o caminhar;
Buscando para o verso o seu par
Ou pensando em métricas, sisudo.
Desistir?, pois não há outra maneira;
Vai escrever com dor, até com febre?,
Escrever, como fosse mais que ser?
Melhor se entregar ao nada haver,
Só esperar que tudo mais se quebre
– E logo tudo mais será poeira.
III
Ao sol já aziago, antemanhã,
Aquela chama púrpura, sem vida,
Já traz, envelhecida e malsã,
Outro dia, outra página já lida.
A morte inaugurada, comovida
Houvesse mesmo sorte ou saída;
Todo dia, num rútilo elã,
Tenta fingir que não é a vilã.
O caminho, a chegada, nada importa;
A resposta, e eu sei que é sincera
É só ver quanto nada me espera.
E, nesse agregado, o que conforta:
Não saber o que há atrás da porta
– O meu ser que já houve, ou o que não há?
13.2.19
Ter sido. E não poder esquecer. Ter sido. E não mais lembrar. Ser. E perder-se.
I
A vida anda ¿meio? perdida, apagada, rabiscada
Num papel arrancado de caderno
Velho
Amassado, amarelado
Deixado de lado
E a vida?, suja e deslavada
Estirada num varal
Qualquer
E as almas, camada por camada
Quarando, amarelando
Sem freio, esteio
Sem meio
Só um fim que não tem fim
E ninguém sabe como tudo
/E nada/
Começou.
Na vala incomum
Remida, perdida, esquecida
Desperdiçada
Está lá, olha lá!, a vida
Desanimada, é verdade
De um culto ultrajado, ultrapassado
Qualquer pecado que seja homem ou mulher
– E que surja um novo cão?, expiatório
Crucificado*,
[*O mártir e a chaga do lado]
Para remir qualquer pecado
permitir
¿demitir?
Sob o sol túrgido da tarde
– É sempre tarde
Que já se vai, se foi, se é que foi.
E as moscas, sempre as moscas
Revoando feito loucas, feito um halo
D e s a n g é l i c o
De inútil* e putrefata ¿sanidade?, santidade
[*Paisagem arruinada]
Sob um céu e um sol que já não há
E sob a égide de ______ que não fui, não sou, quem quer que seja
Em quanto tempo, mais dias do que há em mil anos
Desamparo, abandono
No corpo, nos vazios tristes
Nesse caminho úmido, nítido, rútilo para onde?
R.: Pra morte
[Viver, angústia turva]
Do divino espírito desgraçado
– Desencorajado.
II
Pois olha, veja bem
Não conta pra ninguém
Tem uma coisa
Que me suja
Que não sai
[‘Vezes até me atrai]
E eu não conto
Que eu mal tive
Que eu não confesso
Que mal expresso
Deus me livre, alguém saber
Do maldizer
Do malmequer
E com a voz calada
– Tempo livre, não sei –
me levanto
Quando [não] chove
Já me pego pensando
No tanto, nem sei quanto
A [não] fazer
E não sei o que faço
Com o espaço
Vazio.
Florestas de pedra
Cidades de pó
Lágrimas de sal
Vielas, cidadelas
Poeira e mágoa
Em manhãs garoentas
Diante [¿distante?] de tudo
Que se apresenta
E não me representa
Tenho a impressão de que
Sou
Coadjuvante, figurante
Na vida
Palavra que não vale
_Então se cale
_Espera o cão ladrar
Sob o sol enevoado
De discursos e disputas
[Seja do que for tua fome]
– E mortificação.
III
Sabe o anjo que não cai?
Desiste da espera
Enrola essa bandeira
Abraça o caos e vai
Do mar você não sai
Me dá tua mão e vem
Me diz como é que faz
Pra disfarçar, continuar, adormecer, respirar e caminhar
Deitar ao chão tudo
Que está nas mãos
No azul que não há dos meus olhos de cão.
21.1.19
Ahoga nuestras almas, exentas de deseos, en un mar de silencio, de quietud y de olvido.
Garoa fria sobre a tarde baça:
O tempo vai fazendo sua curva
Inexorável, em silêncio, austera,
Sobre a existência, vã, na descendente,
Num grande afã de mágoa e esquecimento.
Mas, de repente, a brisa morna, lassa,
Sopra no Lete, rio de água turva,
E uma angústia, de eterna espera,
Já se derrama, em turgidez, tão paciente
Sobre o Universo, merecido tormento.
Realidade: escolha a sua, rápido,
Antes que perca a tua chance, e então
O teu caminho, já nas mãos do fado,
Vá desmanchar numa esquina rude
Do estreito paço de horror, loucura.
Pois, quando bate a maré obscura,
Deságua na tua alma, açude,
Uma agonia no ser, já calado,
Feito um amargo e reticente ‘não’
E o horizonte se entristece, pálido.
7.1.19
Mas puseram-te numa praia de onde os barcos saíam para perderem-se.
Ciprestes ao vento:
Por vielas de pedra,
Entre anjos trincados,
Cruzeiros cinzentos
E céu empoeirado,
Te imagino deitada
Leve, carregada,
No cortejo, em silêncio
Que só é quebrado
Por pranto e soluço,
Engasgado ou rasgado,
Talvez pelos ruídos
Vindos da avenida
Pelos muros baixos
Da tua morada
Agora definitiva;
Quase vejo o chão
Do simplório jazigo
Onde repousarás
Para a despedida,
Descanso que não vi,
Onde tu já não hás;
Com orvalho nas flores
Que ora te ornam,
Poeiras nos lábios,
Pra sempre calados,
E estrelas mortas
Nos olhos vazios.
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