28.2.11
Perderia tudo para não guardar silêncio.
Ela é uma pessoa vazia. Gosta um tanto de ver filmes, mas não lê livro nenhum. Às vezes fuma, às vezes bebe, às vezes dá para alguém. Diz que ama e se apaixona, que acredita em Deus e nas amigas feias. Sua mãe é crente daqueles pastores de televisão, seu pai morreu há vinte anos na porta do bar. Dez por cento para o pastor, dez tiros no peito embriagado. Seu avô já tentou abusar dela, mas ela desgosta mesmo é do padrasto. E sempre perdoa o primo bêbado que passa as mãos em suas pernas. Ela mora longe, ela não é ninguém. Ela vive sozinha, ela não é ninguém. Usa perfumes discretos, tem vergonha do corpo e não sabe trepar direito. Fala muito, chora muito, e tudo é irritante. Entregou-se ao primeiro que apareceu a fim de esquecer uma paixão amarga. Falam dela pelas costas, riem quando ela se aproxima. Ela corta os próprios pulsos, mas tem medo de morrer. Toma antidepressivos, benzodiazepínicos, mas não sai do emprego ruim. Foi traída pelo noivo, humilhada, insultada. Na verdade mereceu, ela pensa, pois falhou. Não se dedicou direito, interferiram, atrapalharam, e ela apenas se omitiu. Porque ela não tinha tesão, porque sempre dizia não, pois era tão-só desânimo, engano, fraqueza e fraca gentileza. Romantismo barato, tolo e ingrato, oco e ingrato. Parasita agarrada, triste, desesperada, iludida e ridícula, vivendo o que há de mais grotesco. Ouve músicas antigas, veste roupas velhas e puídas. Lábios tímidos e contraídos, a voz de quem pede desculpas. Ela tem a pele rude, ela tem o rosto acre. Suas mãos estão cansadas, ela nunca sai de casa. Ela tem os olhos tristes. Ela não é ninguém. Ela tem caráter sujo. Ela não é ninguém. Não pertence a lugar algum, vai morrer num canto qualquer. Vazia, fria, à revelia de tudo.
15.2.11
Afora isso ia indo, atravessando, seguindo, nem chorando, nem sorrindo.
Tudo está escrito, em páginas viradas
Em tardes suadas, tão ensolaradas
De moscas e moças pr’a lá e pr’a cá
É todo um infinito de gente alheia
Gente sem sangue correndo na veia
Perdida em volta de tudo que não há
Ando a mil milhas d’onde não vim
Vejo que não há início nem fim
Não existe a trilha, só o caminhar
Em ruas solitárias do meu cansaço
Nuvens de chuva banham o espaço
Estrelas brilham no fundo do mar.
Em tardes suadas, tão ensolaradas
De moscas e moças pr’a lá e pr’a cá
É todo um infinito de gente alheia
Gente sem sangue correndo na veia
Perdida em volta de tudo que não há
Ando a mil milhas d’onde não vim
Vejo que não há início nem fim
Não existe a trilha, só o caminhar
Em ruas solitárias do meu cansaço
Nuvens de chuva banham o espaço
Estrelas brilham no fundo do mar.
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