17.3.11

Muito longe de mim na escuridão ativa da noite que caiu.

Passado transpassado a sujo em pesadelos, pisado feito sangue nas chagas, esparso nos olhos. Medo nas unhas roídas dos dedos, nos cabelos pálidos, arrancados, caídos no chão. Destino de mão em mão, nas cartas em mangas arregaçadas, desgraças previstas em fotos de revistas, entrevistas nos jornais, nas culpas e desculpas que adormecem, mas não morrem. Em folhas de papel nas árvores de sonho triste, resiste o enfadonho resquício sombrio da condenação sem réu, da dor sem dó. São escolhas, desafetos, dialetos que ninguém conhece, porém, quando amanhece, restam os restos, corre-se pelos corredores, e não existe lugar algum. Toda a existência limita o sonho e imita o despertar sem fim de uma noitada ruim.

9.3.11

The line it is drawn, the curse it is cast, the slow one now will later be fast.

Pegou aquele Dia de Finados, meio cinzento, silencioso e, sobretudo, solitário – havia mais morte dentro de si do que em todos os cemitérios juntos, para uma insólita aventura: visitar alguns velórios de pessoas desconhecidas. Infiltrar-se como se fosse um conhecido só do morto, um parente distante daqueles que só aparecem em tais ocasiões, e procurar, na listagem à Administração, um nome que lhe fosse simpático. Daí era só se aproximar, com suas roupas casuais, discretas, sua fala monocórdia e seus gestos educados. Adentrava, olhava bem o defunto, tentava alguma empatia com aquela coisa rígida e amarelada, coberta de flores e impávida. Depois consolava a família mais próxima sob a luz das velas e o perfume dos crisântemos. Saía entre as coroas de “saudades eternas” e, após ouvir conversas nas diversas rodas de amigos e familiares que pareciam mais distantes, descobria coisas o suficiente sobre o morto para engatar algumas conversas. O resto era conseqüência, só deixar rolar. Ninguém ali estava em condições de questionar nada, nem ninguém. Quando enjoava, saía em silêncio e ia a outra sala, depois a outro cemitério. Enterros não lhe interessavam, a coisa era mais desbragada, menos solene, os gritos de desespero, o descaso dos coveiros, nada sutil. Queria a sintonia fina do interstício entre a morte e a morte além da morte. E, sobretudo, achava interessante alguém morrer justo no Dia dos Mortos, um clichê que, por sua ironia, não deixava de ser amargamente engraçado.